Nonagenário, Tião Padeiro, como é conhecido Sebastião Gomes da Silva, é dotado de uma admirável lucidez sobre como as mudanças tecnológicas alteraram as relações trabalhistas, seus impactos e principais consequências. Com um espírito jovem e extremamente atento, orgulha-se de não ter uma mentalidade envelhecida, o que, segundo o empresário, afeta enormemente a forma como a política ainda é feita no Brasil.
Por essa visão aplicada à realidade, esse leitor voraz que um dia sonhou em ser ator consagrou-se em Brasília por vender o melhor pastel da cidade, iguaria que já chegou a ser considerada uma comida tipicamente brasiliense. O famoso Trio Viçosa – dois pastéis e um caldo de cana – alimentou muita gente que aguardava o transporte público na Rodoviária ou só passava por lá para mordiscar o salgado quentinho, saindo fumaça.
Nascido em 14 de abril de 1929 em Barra Longa, Minas Gerais, Tião teve o primeiro contato com o ramo alimentício ainda na infância, com as plantações de milho e feijão de seus pais. Veio daí também seu caráter inquieto e curioso, que culminou até no apelido de Zito, um diminutivo criado para mosquito, já que o jovem não parava quieto um só minuto. A inquietude o levou para o Rio de Janeiro ao lado da esposa para que ambos pudessem tentar a vida no meio artístico. Foi na Atlântida Cinematográfica que Tião conheceu nomes como Grande Otelo, Oscarito e Carlos Manga. E foi em uma dessas gravações que o jovem ator achou melhor deixar de lado o antigo sonho. “A profissão mais difícil do mundo é ser ator, viver o outro, nunca ele”, reflete. Mas, como nada nessa vida é em vão, foi também durante a passagem pelo Rio de Janeiro que Tião deparou-se com um novo objetivo. Durante uma sessão de cinema, assistiu a uma propaganda de Brasília e decidiu que se mudaria para a terra que viria a ser a nova capital do Brasil.
Tião chegou em solo candango em 1957 para trabalhar no Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários (IAPI), nas obras das quadras 105 e 305 Sul, onde teve o mestre de obras Leopoldo como maior professor. Foi nessa região também que Tião Padeiro deu início à sua vida comercial em Brasília. “Abri meu primeiro negócio na 105 Sul, debaixo de uma árvore, um barraco de madeira. Vendia de tudo, de cerveja a arroz”, lembra o negociante. Aos 28 anos, então, Tião fez-se empresário, quando notou o universo de possibilidades e oportunidades que aquelas áreas remotas apresentavam para ele. Nos canteiros de obra passou a vender café e pão, o que lhe rendeu um novo apelido: Tião Padeiro, alcunha que o acompanhou no decorrer de toda sua vida. Começou com um armazém, depois passou para a panificação e em seguida criou uma indústria de pão, que cresceu tanto a ponto de chegar a ter 280 funcionários. O cálculo praticamente triplica quando contabilizamos o número total de funcionários nas mais diversas áreas em que atuou: 630 somando a fazenda, a pastelaria e a indústria de pães.
O pastel é fruto do acaso. Após perder o ônibus que o levaria para sua lua de mel com a esposa Ivanildes, Tião observou um senhor vendendo pastéis em uma cesta, provou e gostou do sabor. Tratou logo de chamar o vendedor e sugeriu a ele que o procurasse para que pudessem enriquecer juntos vendendo pastel. Seis meses depois, Eugênio Apolônio visitou Tião em Sobradinho e, juntos, deram início, em 1960, à Viçosa, pastelaria que carrega o nome da cidade de batismo de Eugênio. O ponto não poderia ser outro: a Rodoviária. Em determinados momentos a fila para o pastel chegava a ser maior do que as dos ônibus, tamanha a procura. Em um dia de muito movimento, como em shows e grandes eventos na Esplanada, a loja chegava a vender 45 mil pastéis.
“Olha, é capaz de não ter ninguém que estudou em Brasília que não comeu pastel na Rodoviária”, comemora Tião ao se lembrar de sua clientela mais fiel. Para dar conta da demanda com qualidade, passou a plantar a própria cana em uma fazenda em Alexânia. Prezar por ter os melhores insumos nos alimentos que produz sempre foi a maior preocupação do mineiro. “Eu chegava na pastelaria e já olhava para o cesto de lixo. Se tivesse uma ponta de pastel no lixo eu sabia que tinha dado algum problema na fábrica. Ninguém joga fora o que comprou com fome”, alerta, ao defender que a qualidade deve ser prioridade em qualquer estabelecimento que se preze. “Quantas lojas bonitas abrem e fecham? Padarias lindas, mas que não têm qualidade. Ninguém come prateleira, vitrine, ele come é o produto. Quando você não tem referência de um lugar você não vai”, alerta Tião.
Criador também da Casa do Pão, que desde 24 de maio de 1968 ocupa a 506 Sul, Tião fez do endereço uma das mais tradicionais panificadoras do DF. Na indústria que ergueu, fornece pães congelados para diversos supermercados da cidade. Como energia é o que não falta ao empresário, atualmente dedica-se à uma fábrica de adubos em Formosa. Todos os dias dirige-se até o local, onde cuida da parte administrativa, rodando cerca de oito mil quilômetros por mês. “Não me sinto cansado, na verdade me sinto triste quando tenho que ficar em casa. Eu tenho certeza absoluta de que se eu não tiver trabalho vou morrer porque eu não sei ficar à toa”, diverte-se.
Não ficar à toa, como diz Tião, fez com que ele se aproximasse dos demais pioneiros que dividiram com ele a epopeia chamada Brasília. “Não tinha nada. Era comer, dormir e trabalhar. Tinha a alegria de fazer Brasília. Essa alegria era tão importante que dava motivo para que a gente fosse feliz”, relembra, animado. Sua trajetória como empresário o levou à fundação da Associação Comercial, da Federação da Indústria e da Federação do Comércio. “Fiz tanta coisa, vivi todos os momentos de Brasília, qualquer um que você perguntar eu vi. Eu não perdi tempo brincando não porque eu não sei brincar, só sei trabalhar”, afirma Tião que se sente orgulhoso e cheio de vaidade por ter ajudado a fazer a capital. “Brasília para mim é o sonho de fazer um país, porque fazer Brasília foi o mesmo que fazer um país. Ela renasceu o sonho de Dom Bosco e renasceu o sonho de uma nação. Brasília tem uma força que pouca gente conhece, de expansão da memória do país. Ela congregou o país inteiro”, celebra o mineiro, que sabe bem que a consolidação de uma cidade é feita por homens e não por montes de pedras e de prédios.
Líder comunitário, tinha uma aproximação especial com a política que o levou a se aproximar de Juscelino Kubitschek. “Juscelino sabia aproveitar as ideias de todo mundo, ele nunca esquivou-se de ouvir. Juscelino era muito sábio, ele ouvia tudo, ouvia o pobre, ouvia o rico, ouvia todo mundo. E tinha uma facilidade muito grande de criatividade também”, elogia. Como presidente da Associação da Vila Amaury, foi responsável por transferir os moradores de lá para Sobradinho e Taguatinga e distribuiu inúmeros lotes nessas regiões. “Tivemos a oportunidade de conhecer a cidade do mínimo ao máximo. A importância da minha vida está em ter conhecido do menor candango ao presidente”, vibra.
Apaixonado pela vida, Tião Padeiro tem ainda um novo sonho para realizar. Seu desejo mais íntimo é criar uma escola agrícola de práticas rurais. “É meu próximo passo se Deus me der a força que estou pedindo”, torce, lembrando que, nessas preces, pede para que viva até os 150 anos. “O mundo está tão bom que ir embora agora eu acho que é uma sacanagem”, brinca o empresário, que tem no bom humor e na positividade algumas de suas qualidades mais fiéis.