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Hely Walter Couto

Depoimento de
Hely Walter Couto

Ter um coração generoso e ser “o patrimônio da W3” são as principais marcas que Hely Walter Couto deixa entre os seus admiradores. Em rodas de conversa com pioneiros ou figuras que participaram ativamente da consolidação da capital federal, não é difícil encontrar fãs de Hely por toda sua luta em prol da manutenção da W3 como um  patrimônio de Brasília.

Bom de papo e afável, como todo mineiro, Hely guarda de seus dois mandatos como comodoro no Iate Clube de Brasília lembranças que até hoje fazem brilhar seus olhos. Segundo ele, “os melhores anos já vividos”.

Uma figura-chave na consolidação de Brasília como uma cidade erguida para acelerar o desenvolvimento do país, Hely soube aproveitar cada oportunidade ofertada por essas terras. Nascido em 3 de dezembro de 1925, na cidade de Carmo do Paranaíba, em Minas Gerais, Hely foi criado por uma tia em São Gotardo e alegrou muitas festas de carnaval e de baile quando se aventurou como cantor aos 16 anos. Convocado para o Exército aos 18, mudou-se para Belo Horizonte e na capital mineira desenvolveu seu dom como alfaiate. E foi a partir daí que seu destino cruzou com o da tão falada nova capital. Com a ajuda de Afonso de Paula Araújo, irmão de seu compadre, e o anfitrião Vicente de Paula Araújo, construiu um barracão para vender capas, botas e objetos afins na Avenida Central da então Cidade Livre, hoje Núcleo Bandeirante, em 1958.

Recém-casado com Helenice Bougleux, com quem celebra uma união de mais de 60 anos, Hely precisou deixar a esposa em Belo Horizonte e só a via a cada 20 dias, até se estabelecer na nova capital. A oportunidade chegou quando fez uma proposta para vender travesseiros para a Novacap. A empresa topou o preço do comerciante e a encomenda de mil unidades não afugentou o jovem empresário, que tratou de ir para São Paulo para dar conta da grande leva pessoalmente. Com tino para os negócios, encomendou dois mil travesseiros para serem entregues em Brasília três dias antes da inauguração, contando com a possibilidade de vender os mil restantes para os novos moradores que desembarcavam para morar nos edifícios que estavam sendo construídos. Na hora da entrega, a surpresa: a Novacap queria mais, exatamente mil a mais. A jogada certeira estabeleceu financeiramente Hely, que pôde trazer a família e dar continuidade à sua Casa de Borracha, nascida em setembro de 1958. Devido à ocasião, logo a empresa ganhou o nome de Pioneira da Borracha e tornou-se uma das marcas mais tradicionais de Brasília, chegando a ter oito unidades espalhadas pela capital.

Uma conversa rápida com funcionários da Pioneira é possível entender como uma casa tem se mantido há tanto tempo, mesmo após as oscilações econômicas do país e em meio a uma W3 que não tem mais o brilho de outrora. Posicionado comercialmente como local que vende de tudo, desde colchões e mangueiras aos mais variados tipos de presentes, a Pioneira da Borracha tem nos seus colaboradores uma joia acarinhada por Hely. A cada frase destinada à casa, o empresário tece elogios àqueles que dividem com ele a manutenção da Pioneira como uma referência na capital. Não é incomum cruzar com funcionários que estão há décadas na loja e que dão a Hely o crédito do ambiente harmonioso. “Ele é a luz desse lugar, quando ele não vem não é a mesma coisa”, conta uma funcionária, que divide a rotina com o bem-humorado empresário diariamente. Nonagenário, Hely Walter Couto segue com a mesmos hábitos. Todos os dias vai à loja, despacha com os funcionários, almoça em casa e retorna. Aos domingos, almoça no Iate Clube e bate papo com os amigos.

Referência quando o assunto é persistência e perseverança, Hely é um dos principais defensores da W3 por ter visto os tempos de glória da avenida, quando as principais lojas da capital se instalavam na região e por lá desembarcavam blocos de carnaval e shows musicais. Com a diminuição dos investimentos em estrutura e segurança no local, bem como a chegada avassaladora de shoppings e centros comerciais, Hely viu dia após dia a W3 perder o status que outrora ele ajudou a construir. Mas ele não esmoreceu e se manteve um defensor ferrenho da revitalização da avenida, que recentemente começou a ganhar reparos nas calçadas e melhorias que têm acalmado o coração do comerciante.  “É como uma homenagem em vida”, dizem os que sabem a importância de reerguer a W3 enquanto Hely ainda ocupa as calçadas da avenida.

O carinho com a W3 e com a empresa levaram o empresário a se tornar uma referência entre os comerciantes. Assim, foi eleito tesoureiro, secretário, vice-presidente e presidente do Conselho Superior da Associação Comercial do Distrito Federal. Foi presidente ainda do Comércio Varejista do DF e vice-presidente da Federação do Comércio do DF, cargos que aproximaram o empresário de toda a classe e ajudou a consolidar o ramo empresarial do Distrito Federal. Durante sua trajetória profissional, Hely se especializou, formando-se em Contabilidade e Direito, curso que frequentou no UniCeub e no qual teve aula com João Herculino, fundador da instituição – fato rememorado por Hely com muito carinho.

Aliás, ter tido contato com nomes ilustres da construção de Brasília e pessoas responsáveis pelo desenvolvimento econômico e social da nova capital é motivo de orgulho para o mineiro. À frente do Iate Clube, recebeu em bailes e ocasiões especiais figuras como Oscar Niemeyer e o presidente Juscelino Kubitschek, com quem dividiu um momento inesquecível. Durante o lançamento de um livro da escritora Vera Brant, Juscelino estava cansado e pediu ao então comodoro um lugar onde pudesse descansar. A sós em uma sala reservada, JK tirou os sapatos e descansou os pés, enquanto Hely aproveitava a ocasião para tecer elogios ao conterrâneo. Juntos, eles se abraçaram e Hely se arrepende profundamente de que sua timidez não tenha permitido que ele buscasse um fotógrafo para registrar o momento. Mas a boa memória não lhe falha e esse é um dos momentos preferidos da relação de Hely com Juscelino, político admirado pelo empresário.

“Juscelino é orgulho não só do Brasil, mas do mundo”, pontua Hely, que inclui o político nas suas orações diárias por todas as vidas transformadas após a construção de Brasília. Em um dos momentos em que se encontraram pessoalmente, Hely disse a Juscelino como sua trajetória virou de cabeça para baixo quando a nova capital cruzou seu caminho, saindo de um simples alfaiate a comodoro de um tradicional clube. Assim como outros pioneiros, Hely Walter Couto buscou em Brasília melhorar de vida, crescer e alcançar o sucesso. “Naquele tempo, o Brasil tinha pouco desenvolvimento, era muito pobre, não tinha nada. Viemos todos para melhorar de vida. Eu era alfaiate, pobre toda vida, andava com o pé no chão”, reflete.

Dono de um legado incalculável pelo valor sentimental, Hely orgulha-se de ter sido um gerador de empregos e de ter apostado na capital, transformando a Pioneira da Borracha em uma marca de sucesso e investindo em prédios e galpões espalhados pela capital. Ser um bravo defensor da W3 é outra característica que toca o coração do empresário. “A W3 é a relíquia de Brasília”, elogia o pai coruja. O fascínio pela capital estampa as paredes da sede de sua empresa, instalada no terceiro andar da loja primogênita, localizada na 511 Sul. Por lá, troféus, medalhas, retratos de família e fotos ao lado de políticos e artistas ocupam as paredes e prateleiras como um museu particular. Naquelas fotografias, que Hely aponta a todo instante em que se refere a uma pessoa com quem conviveu, estão não só fatos marcantes da memória deste pioneiro, mas principalmente uma linha do tempo da cidade erguida a muitas mãos de mentes sonhadoras e obstinadas. Hely venceu, mas, para ele, sua maior vitória é estar ao lado daqueles que ergueram uma cidade do zero, seja com a própria força física, seja com o entusiasmo de oferecer serviço aos que desembarcavam em um sonho que, àquela altura, já não era mais só de Juscelino Kubitschek.

Hely Walter Couto