Ir ao Gilberto, passar pela ponte do Gilberto. Para alguém que não mora em Brasília ou desconhece as particularidades da capital, ouvir essas expressões pode soar um tanto estranho, como se o passeio fosse uma visita a um velho amigo. E, de fato, é exatamente disso que se trata. Gilberto Salomão é uma das figuras mais icônicas de Brasília, um bravo pioneiro que emprestou seu nome para um centro comercial há cinco décadas e que jamais poderia imaginar como sua assinatura se tornaria uma referência para a capital, tanto em termos empresariais quanto geográficos.
A veia empreendedora de Gilberto Salomão não é à toa. De origem libanesa, o empresário nascido em 25 de agosto de 1931 herdou do pai sua paixão pelos negócios. “Meu pai, apesar de analfabeto, construiu quase metade de Uberaba”, recorda-se Salomão, que se formou em Química Industrial para trabalhar na fábrica de cerâmica do patriarca, motivo que o trouxe para Brasília há 63 anos. Seu contato com a nova capital aconteceu de uma forma inesperada. Uberaba, a cidade onde nasceu, estava na rota dos caminhões que partiam de São Paulo, Santos e Rio de Janeiro rumo à Brasília munidos de materiais de construção. Certo dia, aproveitou a passagem de um grupo e apresentou seu material para um engenheiro conterrâneo que estava participando da construção. De cara, ouviu que o produto não era de qualidade e certo da eficiência do produto que ele mesmo fabricava, Gilberto Salomão seguiu para Brasília disposto a mudar essa impressão.
O mineiro desembarcou em Brasília em 12 de setembro de 1958, data que ficou guardada em sua memória por ser o aniversário de Juscelino Kubitschek e por vê-lo discursar a alguns trabalhadores no Núcleo Bandeirante sobre os andamentos das obras. A visita seria rápida, mas logo Gilberto percebeu o oceano de oportunidades que se abriria em sua frente. Na época, a empresa de seu pai revolucionava o setor, que até então fabricava apenas telha e tijolo. Gilberto e família surgiram com novos produtos, chamando a atenção dos construtores que se instalavam na capital. “O produto que eu tinha era um tipo de laje de forro que não precisava gastar tanto concreto e evitava o gasto com outros materiais de difícil acesso”, recorda-se o empresário que rapidamente fortaleceu laços com o dono de uma empresa responsável por um ministério e conseguiu pessoal para ajudá-lo com a obra do espaço. “Fiquei 40 dias com a roupa do corpo, morando no Núcleo Bandeirante, pegando carona 5h30 da manhã pra ir para a Praça dos Três Poderes. Trabalhava até 2h, 3h da madrugada. Pegava carona para lá e aí assenta tijolo, faz reboco, assenta azulejo. Foi um privilégio enorme”, orgulha-se o empreiteiro.
Nessa insana rotina em que os trabalhadores mostravam que era até possível o dia ter mais de 24 horas, de tão intermináveis que eram as jornadas de trabalho nas construções, Gilberto Salomão desdobrou-se em mil para agarrar as mais diversas oportunidades que surgiram. Além de ter herdado o caráter empreendedor do pai, Gilberto absorveu ainda a forma multifacetada com a qual o patriarca distribuía sua atenção para os negócios. Com o passar dos dias em Brasília, além de atuar como empreiteiro, o jovem passou a ter um restaurante na Vila Planalto, uma cantina na Barragem do Paranoá, para cerca de 500 pessoas, uma outra na ponte do Bragueto, e começou a comercializar quentinhas para os operários das obras.
Algum tempo depois, a economia esfriou e a construção civil deu uma estacionada na capital. Depois de morar de aluguel e ser provocado pelo pai a construir a própria casa, viu no ramo outra forma de renda. Passou, então, a construir casas na W3 e vendê-las. As oscilações econômicas fizeram os preços dos terrenos irem para as alturas e os negócios deram uma esfriada. Mas logo Salomão deu outro jeito: observou o preço baixo dos terrenos que estavam vendidos pela Novacap no Lago Sul e certo de que estava fazendo um ótimo negócio construiu sete casas. A primeira delas foi um projeto do renomado arquiteto César Barney, o primeiro do seu portfólio de construções particulares.
Mas o investimento não surtiu o efeito esperado e as casas não foram vendidas. Disposto a oferecê-las de graça para parentes, não conseguiu quem as quisesse. Isolado do restante da cidade, o Lago Sul não tinha mais do que 100 casas, do aeroporto ao Paranoá. Como não havia nenhuma ponte até então, para comprar uma caixa de fósforos o cidadão precisava dar a volta pelo aeroporto e se dirigir até a W3 Sul. Frustrado com esse cenário, Gilberto Salomão dividiu sua insatisfação com o amigo e então prefeito de Brasília, Plínio Almeida, e ouviu um conselho que mudaria de vez sua trajetória, o de abrir um centro comercial, movimento que poderia ajudar a levar mais pessoas para a região. Com a ajuda do amigo Edilson Cid Varela, fundador do jornal Correio Braziliense, Salomão conseguiu uma condição atraente financeiramente, na qual se comprometeu a começar a construir em três anos e terminar em 10.
Inaugurado em 1968, o Centro Comercial Gilberto Salomão ganhou esse nome para fugir dos estrangeirismos da época e mesmo quando o idealizador pensou em alterar já não era mais possível: seu nome estava literalmente na boca do povo. Com a construção da Ponte das Garças, em 1974, o Lago Sul finalmente ganharia o status desejado pelo empresário e a região passou a ter um dos metros quadrados mais caros do país. Nesse período, o Centro Comercial Gilberto Salomão se consolidava como o point da juventude abastada, sendo a principal referência de diversão para artistas, políticos e jovens endinheirados. Era lá que se localizava também o Cine Espacial, uma sala de cinema que tinha um formato até então inédito e permitia que os filmes fossem exibidos em uma tela 360°, proporcionando uma boa visão do filme independente do assento escolhido.
Em 1969 o restaurante Bier Fass abriu suas portas no espaço se tornando atualmente o único ponto que permanece em funcionamento desde a sua inauguração. Duas décadas depois, em 1986, chegaria ao complexo a boate Zoom, casa noturna que colocou Brasília no mapa da noite brasileira. A luxuosa iniciativa ostentava globos e refletores e foi erguida em parceria com Chico Recarey, considerado o rei da noite carioca. Entre os convidados que passaram por lá estão nomes como Pelé, Xuxa, Luiza Brunet e Roberta Close. “O Centro Comercial realmente se consolidou e veio a se transformar em um bom negócio quando veio o sonho do Abílio Diniz, que era fazer um mercado grande, então o primeiro Jumbo de experiência no Brasil (atualmente Pão de Açúcar)”, pontua Gilberto Salomão, que acredita que o principal trunfo do seu empreendimento é sua arquitetura diferenciada, capaz de transformar o que seria uma simples ida a um shopping em um momento de prazer e descontração. “Tem pessoas que vêm para cá duas, três, quatro vezes por dia. Anos atrás fiz uma pesquisa e descobri que muitos idosos vêm só para encontrar os amigos”, celebra o satisfeito empresário.
Casado com Maria Salomão, pai de Márcio, Martha e Marília, e avô de Marcos, Maria Victoria, Maria Valentina e Gilberto Salomão Neto, o patriarca diariamente vai ao centro comercial, conversa com amigos e encontra colegas pioneiros para bater um papo sobre os tempos de outrora. Orgulhoso de sua trajetória como alguém que apostou e venceu na capital fundada por Juscelino Kubitschek, Gilberto Salomão é tão zeloso com a memória da cidade que chama de sua, que preserva um rico acervo de imagens dos períodos iniciais de Brasília. Assim, toda vez que olha para suas paredes e estantes, Gilberto se recorda de cada passo dado para trilhar o caminho que o transformou na referência que é para a cidade e para a família.