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Enildo Veríssimo Gomes

Depoimento de
Enildo Veríssimo Gomes

Enildo Veríssimo Gomes nasceu em Bambuí, cidade do interior de Minas Gerais, em 30 de dezembro de 1945. Sua infância na roça o permitiu ver de perto o trabalho do pai agricultor. Incentivado pelo patriarca, passou a trabalhar aos 12 anos, quando dividia seu tempo entre os estudos e os serviços que conseguia em mercados e mercearias da cidade. Aos 17, mudou-se para Araxá, onde trabalhou em uma lanchonete que mudaria para sempre a sua história. O contato que teve com a receita de pizza de um italiano com quem trabalhou seria, mais à frente, o combustível necessário para a criação de um ícone brasiliense: a pizzaria Dom Bosco. Mas antes é importante entender como Brasília surgiu na vida desse jovem mineiro.

Incentivado por um colega a ir para a nova capital, o eldorado que prometia riquezas e oportunidades, Enildo deixou Araxá e se mudou de mala e cuia para a cidade. Nos primeiros meses ocupou um quartinho na casa de um colega na 706 Sul e logo encontraria um emprego em uma lanchonete na Esplanada dos Ministérios. Foi com o dinheiro desse trabalho que o esperto garoto conseguiu fazer um negócio e comprou o ponto que abriga a pizzaria Dom Bosco até hoje, na badalada rua da Igrejinha. A escolha da localização pareceu óbvia para Enildo no momento: “Brasília se resumia a essa quadra. Todo mundo que tinha dinheiro, que era funcionário, morava aqui”, recorda-se o empresário que, em 2020 celebra os 60 anos de sua marca.

Com atendimento exclusivamente feito no balcão, o serviço da pizzaria foi criado 100% na base da confiança. Não há comanda ou alguém que controle os pedidos. É o cliente quem vai ao caixa detalhar o que consumiu. Sem mesas e cadeiras, a pizzaria abriu as portas em maio de 1960 já atenta às demandas dos fregueses. “Naquela época em Brasília, na década de 1960, ninguém sentava para comer. O negócio era ganhar dinheiro. Se você ficasse uma hora sentado, perdia uma hora de serviço. Todo mundo estava na correria”, lembra o comerciante, que cativou a clientela pela simplicidade da sua pizza: massa, molho, queijo e paixão. Mais nada. Enildo conta já ter tentado preparar uma pizza de outro sabor que não muçarela tradicional, mas rejeitou a ideia pelas dificuldades de encontrar coberturas que conseguissem se manter saborosas mesmo após um tempo expostas no balcão. Não encontrou. “O diferencial da pizza é a qualidade e é você gostar do que faz. Se não tiver qualidade, o consumidor na hora pula fora. Vai uma vez e não volta”, adverte o empresário que cuida pessoalmente do preparo das massas e se atenta para ter sempre queijo e farinha da melhor qualidade.

O nome da pizzaria – uma homenagem ao religioso italiano que sonhou com o nascimento de uma terra dotada de riqueza inconcebível – seguiu a onda dos muitos negócios que abriram em Brasília durante o período inicial. Como uma forma de celebrar a profecia, diversos comerciantes batizaram seus empreendimentos com o nome de Dom Bosco. Por estar em um ponto estratégico, na 107 Sul, perto de onde estava o poder político da capital, Enildo viu passar por lá uma infinidade de figuras políticas, como Collor, o senador Virgílio Távora e a família Roriz. Do universo artístico, é endereço certo em todas os retornos da banda Raimundos a Brasília após os shows fora da cidade, e já foi point para Cazuza e Cássia Eller. Outro público cativo de Enildo é o infantil, a quem costuma dedicar uma atenção especial. “Você vê hoje como é a minha freguesia, as criancinhas com o dinheirinho na mão. Eu tenho o maior cuidado. O pessoal deixa, até vira as costas, mas aqui não. Principalmente criança. Elas têm que ser bem atendidas, receber o troco direitinho. Não é porque é criança que não tem que atender bem”, afirma.

Ligado nas missas que aconteciam todos os domingos às 19h na Igrejinha, o comerciante colocava no forno muitas pizzas de uma única vez porque sabia que depois a procura seria grande. “Muitos pais falavam para os seus filhos que quem não viesse à missa não comia pizza. Então, depois da celebração, a meninada descia correndo”, diverte-se Enildo, que costumava colocar uma cebola para assar junto com as pizzas para que o agradável aroma perfumasse a quadra e os participantes da missa. Foram nesses encontros religiosos também que Enildo viu com frequência Juscelino Kubitscheck acompanhando dona Sarah, sua esposa. “Quando ele chegava todo mundo rodeava ele, Juscelino era muito querido, um rei. Tudo dele era com honestidade, não tinha frescura. Ele ajudou muita gente, naquela época não existia desemprego em Brasília, não”, compara o negociante, que se recorda dos inúmeros altos e baixos pelos quais o país atravessou desde então.

Responsável com suas finanças e negócios, o mineiro passou para os filhos Romero, Rodrigo, Renata, Maria Clara a importância de ser uma pessoa com um círculo de amigos variado, do rico ao pobre, e alguém que conquistou credibilidade na capital graças à sua preocupação frequente com o bem-estar do cliente e com a qualidade do produto servido. Diariamente, Enildo chega às 5h da manhã na pizzaria. O combustível para aguentar o rojão? Duas ou três fatias de pizza, mais um copo de mate. Mas tem um componente bem mais importante que faz toda a diferença: Enildo é apaixonado pelo que faz. “Eu falo para o pessoal, se você não gosta do seu ramo, não tem qualificação, não adianta você montar um negócio, porque vai durar pouco tempo. Se todo dia você chega lá e fica irritado, começa a ficar reclamando, estressado, mentalmente você se acaba”, aconselha o proprietário, que atualmente divide a marca com os filhos que tomam conta dos outros endereços da pizzaria, na Asa Norte, Sudoeste, 114 Sul, Guará e Águas Claras.

A famosa dupla – duas fatias de pizza servidas queijo com queijo – faz uma ótima companhia com o copo de mate gelado, receita feita à perfeição há décadas. “É tudo feito na medida. Um errinho, um pouquinho a mais de açúcar dá errado”, confidencia Enildo, que nos tempos áureos chegou a vender três mil fatias de pizza por dia. “Às vezes eu nem ia para casa. Dormia na loja mesmo porque chegava tarde e no outro dia tinha que abrir, mas eu era feliz. Não reclamava de nada, tinha muita saúde né, e eu só tenho a agradecer”, comemora o disciplinado empresário, que tem muito orgulho de ser um pioneiro que fez sucesso na capital. “Eu me sinto muito querido, isso não é para qualquer um. Temos que fazer por onde, merecer, nada cai do céu”.

Incansável, Enildo não consegue se desligar nem quando viaja e mesmo quando vai à praia, fica de olho no telefone para saber notícias de como andam os negócios. Quando sai da capital, aproveita para fazer propaganda de Brasília para todos que encontra pela frente, especialmente para os colegas aposentados. “A qualidade de vida aqui é indiscutível. Tem o melhor padrão de vida, é o melhor lugar para se viver”, insiste o otimista comerciante, que mesmo após seis décadas segue nutrindo um amor para lá de especial pela terra que o abraçou.

Enildo