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Salviano Antonio Guimarães Borges

Depoimento de
Salviano Antonio Guimarães Borges

Salviano Antônio Guimarães Borges é dotado de uma memória tão brilhante quanto a sua criatividade. O arquiteto que integrou a equipe de Oscar Niemeyer domina a narrativa da história de Brasília de forma notável e é capaz de detalhar situações com perfeição, sempre amparado por fatos marcantes, nomes de figuras importantes e todas as molduras que forem necessárias para narrar uma trajetória tão rica quanto a dele próprio, um bravo goiano de coração planaltinense.

Primeiro distrital eleito para presidir a Câmara Legislativa do Distrito Federal, o arquiteto herdou os nomes dos dois avôs, o materno (Salviano) e o paterno (Antônio). Natural de Goiânia, nasceu no ano de 1943 e foi batizado no emblemático Morro da Capelinha, em Planaltina, em 8 de agosto de 1943. Filho da uma planaltinense que até cogitou virar freira, e de um caixeiro viajante mineiro, Salviano é fruto dessa união que se instalou em Brasília em 1957, quando seu pai decidiu abrir uma empresa de revenda de fios e de tintas no Núcleo Bandeirante.

Mas o contato de Salviano com a nova capital é bem anterior aos últimos anos que antecederam a inauguração de Brasília. Acostumado a passar as férias escolares em Planaltina, aproveitava a temporada para andar a cavalo pela imensidão do cerrado, onde hoje se localiza o Plano Piloto. “Planaltina, do ponto de vista da importância da mudança da capital e histórico, acabou sendo um ponto de referência das missões e das comissões que vieram aqui para demarcar a capital”, pontua Salviano, que domina tão bem a história de Brasília, que é capaz de narrar ponto a ponto a ida de Louis Cruls a Planaltina, assim como a vinda do general Djalma Polli Coelho à região que abrigaria Brasília para certificar o governo de que aquelas terras teriam todas as características necessárias para o surgimento de uma cidade: potencial de água suficiente para abastecer uma população, capacidade de produção de alimentos e de geração de energia.

Imerso na atmosfera da construção da capital, o curso de Arquitetura na Universidade de Brasília chegou naturalmente na vida de Salviano, que teve uma oportunidade ímpar: “Eu tive um curso de Arquitetura diferenciado, porque ele foi em cima de um canteiro de obras. Primeiro o canteiro de obras da própria universidade, depois o canteiro de obras do Plano Piloto e com isso a minha turma, os meus colegas, nós tivemos a felicidade de ter os melhores professores de arquitetura do Brasil, porque eles estavam aqui construindo a cidade”, comemora Salviano. Enquanto estudante, teve aula com Athos Bulcão e Glênio Bianchetti, além de Oscar Niemeyer, que foi também o seu primeiro empregador. Com Niemeyer, Salviano trabalhava detalhando suas obras e chegou a acompanhá-lo em missões fora do país, como quando foram para a Argélia concluir a Universidade de Constantine. “O Oscar era antes de tudo humanista, ele era uma pessoa de um coração enorme, que não sabia dizer não a ninguém, que repartia os seus projetos com seus colaboradores”, relembra. Saudoso, o goiano desfaz o imaginário de que Oscar seria um profissional só ligado à estética e à beleza de suas obras. “Ele tinha uma noção exata do processo construtivo, da Engenharia. Uma capacidade de criação dentro de uma lógica construtiva muito apurada e eu sou um privilegiado por ter vivido tudo isso”.

A carreira política de Salviano Guimarães começou ainda na universidade, após a ditadura militar, período que lhe acendeu um enorme espírito contestador de luta em prol da liberdade e da democracia. De líder estudantil passou a administrador de Planaltina, eleito durante o governo do presidente João Figueiredo. Após seis anos e meio na função, orgulha-se de ter levado rede de esgoto à cidade e consequentemente ter contribuído com a diminuição do índice de mortalidade. Sua experiência como administrador o levou a ser deputado distrital em 1991 e o responsável pela criação da Câmara Legislativa do Distrito Federal. “Fui o primeiro presidente da Câmara, então instalei tudo do zero. Escolhemos a sede, fizemos as compras e nomeei os primeiros concursados”, observa o arquiteto que abandonou a vida política após se decepcionar com o processo eleitoral que, ao seu ver, precisa ser inteiramente reformulado.

Zeloso com as mudanças ocorridas em Brasília com o passar dos anos, Salviano observa como o crescimento desordenado e a falta de uma atenção mais cuidadosa com a mobilidade urbana impedem a capital prosperar de uma forma mais igualitária. “O Lúcio Costa era o sujeito mais lúcido que eu conheci do ponto de vista de gestão de cidade, de crescimento da cidade. Tão lúcido que quando Brasília precisou de espaço ele veio aqui e fez um projeto chamado Brasília Revisitada, no qual criou o Sudoeste, o Noroeste, e deu as diretrizes”, afirma o arquiteto que nutre uma admiração profunda pela cidade. “Brasília surgiu em um determinado tempo-espaço na história em que as forças de inteligência desse país convergiram para um único objetivo. Juscelino estava na sua idade plena na vida política, já com experiência, prefeito, governador e tal. Você tem um Lúcio Costa extremamente amadurecido e conhecedor do urbanismo, Oscar já com obras em vários locais, inclusive o projeto da ONU em Nova Iorque. Estava no auge da sua criatividade como arquiteto. Você junta um sujeito rigoroso, até duro, Israel Pinheiro. Então, essas pessoas se uniram para construir uma cidade com desapego. Eles construíram por idealismo, amor e tudo que você faz com amor e com idealismo dá bons frutos”, considera.

Um líder considerado por Salviano como alguém “inquebrantável”, Juscelino foi uma figura determinada, dono de uma habilidade pouco vista na história política nacional. “Juscelino usa a construção de Brasília com uma obra da brasilidade, uma obra para os brasileiros, uma obra de afirmação de um povo. Não se fez nenhuma construção de nenhuma cidade no mundo que ultrapassasse os princípios e a força do Plano Piloto do Lúcio Costa, nada foi feito no mundo igual a Brasília. Ela é incomparável, então isso dá para gente um orgulho muito grande de estar vivendo em uma cidade única”, diz Salviano, que, de tão engajado pela cidade carrega em seu currículo ainda a instalação da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento do Distrito Federal (Adasa) e a criação da Floresta Nacional de Brasília, com nove mil hectares de floresta para preservação dos aquíferos do Distrito Federal.

Salviano Guimarães