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Antonio Matias

Depoimento de
Antonio Matias

Antônio José Matias de Sousa tinha 19 anos quando embarcou em um dos muitos paus-de-arara que se deslocavam em massa rumo ao Centro-Oeste para um destino que prometia transformar a vida de centenas de brasileiros: Brasília. A nova capital era o assunto mais comentado nos jornais que Antônio lia nos armazéns da pequena Coremas, cidade onde nasceu em 5 de setembro de 1939, no interior da Paraíba. Seu plano inicial era ir para São Paulo, não Brasília, mas o entusiasmo dos outros nordestinos que largavam tudo pelo sonho de se estabelecer na nova capital empolgou o jovem paraibano. À revelia dos pais, driblou os receios de que deixaria o trabalho na fazenda da família para “lavar latrina” e partiu.

Dezesseis dias depois, com o bolso vazio, os dois joelhos ralados pelos bancos de madeira e muita vontade de vencer, Antônio Matias desembarcaria no canteiro de obras de Brasília, em 20 de março de 1959, ano em que as construções estavam aceleradas para cumprir o prazo de entrega marcado para o dia 21 de abril de 1960. O primeiro emprego que conseguiu foi no acampamento da Pederneira, na Vila Planalto, como apontador, a pessoa responsável pelo controle de quem entrava e saía do canteiro de obras. O salário era bom e Antônio Matias tinha direito a alojamento e alimentação. Mas ao conhecer um posto de gasolina no Núcleo Bandeirante achou aquele vai e vem de veículos e pessoas muito mais interessante. Por um salário menor e sem nenhum direito extra, trocou de emprego e passou a ser frentista. Sua carreira em Brasília é vista por muitos como uma trajetória de sucesso conquistada por poucos. De bombeiro de posto de gasolina a um dos principais empresários da capital, foi uma longa e dura jornada, marcada por contatos com pessoas das mais variadas camadas sociais, muito trabalho e uma vontade incansável de conquistar o mundo.

Um “virador”, como costuma se intitular, Antônio Matias era o típico “pau pra toda obra”. Nas horas vagas dirigia taxi e, no dia a dia, lavava carros, auxiliava na instalação das bombas de combustível e estava sempre à disposição para fazer de tudo, mesmo que a função fosse totalmente desconhecida para ele. O empresário diverte-se ao relembrar de momentos em que meteu os pés pelas mãos ao tentar lubrificar automóveis sem ter o menor conhecimento de como isso poderia ser feito, e também de quando foi lavar um veículo com Solupan, um desengraxante sódico que acabou tirando a cor do automóvel para surpresa do bem humorado cliente. “Isso era uma bronca que se fosse hoje era do tamanho do mundo, mas naquela época todo mundo levava na graça”, compara.

Sem ter onde dormir durante um período difícil, chegou a ter como quarto uma caixa d’água instalada nos fundos do posto de gasolina onde trabalhava, na 306 Sul. Sua postura sempre amigável fez com que um cliente o convidasse a morar em um apartamento vazio na mesma quadra do posto. Aproveitou a deixa e convidou outros colegas de função para compartilharem o teto com ele. Como um bom amigo, dividiu outros bons momentos com os amigos de serviço também, como quando passou a receber refeições da Aeronáutica – outro agrado oferecido por um cliente – e a comida era tanta que ele dividia com os demais frentistas. Antes disso, quando a barra estava mais dura, Antônio tomava um café reforçado para evitar gastos extras. Pela manhã comprava uma baguete de cinquenta centímetros, com tamanho suficiente para ele só sentir fome de novo lá pelas 15h, 16h, quando ele comia um bom prato de comida. Essas foram as duas únicas refeições de Antônio durante o dia por um bom período, economia que ele fez para juntar um dinheirinho e conseguir uma reserva para si e para a família que deixara em Coremas.

Quem lhe ajudou muito, inclusive dando abrigo em um quarto de sua casa por um período foi Elson Cascão, um dos empresários mais renomados do Distrito Federal. Apadrinhado por Elson, o paraibano alçou voos longos no ramo dos postos de gasolina. Sob a tutela do empresário, tornou-se sócio da empresa de revenda de lubrificantes que Elson abrira com outros colegas, e ano após ano, conquistou seu espaço nas porcentagens da empresa, tornando-se diretor operacional da Rede Gasol, um dos grupos mais bem-sucedidos da capital. “É muito difícil agradecer o seu Elson porque nem o meu pai, se ele tivesse condições, faria o que ele fez por mim. Ele me ajudou muito, eu tenho que agradecer muito a ele”, ressalta Antônio. Sua gratidão é tamanha, que durante um papo de aproximadamente três horas citou o nome do sócio, compadre e amigo 44 vezes.

Durante anos, Antônio Matias ocupou o cargo de gerente nos postos de gasolina da rede e garante que nunca foi convidado para a função. “Eu era um leão. Não tinha esse negócio de vai fazer, mas não teve jeito. Eu pegava para fazer e fazia mesmo. Fui me destacando e assumindo”, confidencia o empresário, que tem na sua confiança uma de suas principais qualidades. “Não tinha problema comigo, então eu acho que essa força de trabalho me deu credibilidade. O segredo do nosso negócio é que nós trabalhamos sempre com uma tremenda honestidade em relação ao outro”, observa o paraibano.

O caráter visionário andava lado a lado com a certeza de que Brasília ainda se expandiria muito. Por isso, a cada nova cidade ou bairro que viria a surgir na capital, lá estava o grupo de Antônio instalando um posto na região. “Nós crescemos assim, desse jeito. Sabemos que vai ter a cidade e que vai morar gente lá. Então, nós fazemos o posto”, relembra, envaidecido por ter apostado desde o início no sucesso de Brasília. “O que eu sinto por Brasília é um amor como se fosse por um filho, porque eu vi tudo nascer. Eu vi a Rodoviária ser construída, eu vi a Praça dos Três Poderes. Não tem uma obra aqui em Brasília que eu não tenha participado dela com fornecimento de óleo diesel ou com alguma coisa”, orgulha-se Antônio, que carrega consigo um coração 100% brasiliense.

Admirador de Juscelino Kubitschek, o paraibano antes mesmo de se mudar para Brasília já tinha decorado o plano do governante de transformar 50 anos em cinco com a aparentemente súbita criação de uma cidade a partir do zero. “Não tem uma história que supere essa de Juscelino, nenhuma no mundo. Não tem e não vai ter nunca outro cidadão com a inteligência dele, com a dinâmica dele, a rapidez. O homem era um avião, para ele não tinha problema, era resolver”, lembra o empresário que tem um carinho especial também pelos outros pioneiros com quem dividiu o privilégio de ver Brasília ser construída. “Eu admiro muito os pioneiros, porque muitos fizeram igual a mim, passaram essas turbulências que nós tivemos aqui – Collor, Sarney, João Goulart, Jânio Quadros e mais outras quedas -, mas não desistiram”, destaca.

Casado com a Relações Públicas Isa Matias, Antônio tem três filhos, mas seu legado não estacionou em seu clã. O empresário está à frente do projeto Bibliotecas do Saber, criado em 2007, que já levou 186 redutos literários à população. Com instalações em regiões menos abastecidas financeiramente, a construção dessas bibliotecas foi a forma encontrada por Antônio para devolver à Brasília tudo que conquistou. Essa vertente também foi herdada de seu mentor Elson Cascão, que o ensinou desde sempre a dedicar tempo e recurso em projetos sociais. “Meu pai era pobre, minha mãe era pobre, mas eles tinham uma grande vantagem, eles eram honestos e criaram os filhos bem criados. Tanto que se você olhar a minha família verá que todos são diferentes. Vieram para cá, estudaram, passaram nos concursos, cada um tem sua vida”, conta Antônio, que na primeira oportunidade trouxe seis irmãos para Brasília para que também pudessem prosperar.

Certa vez, Antônio Matias jurou sob o pé de uma árvore que um dia teria dinheiro para comer biscoito até cansar. Hoje, não só come biscoito à vontade, como celebra a conquista de poder dividir biscoito e outras benesses da vida com aqueles que ama e com a cidade que orgulhosamente viu crescer.

Antonio Matias